quarta-feira, 24 de agosto de 2016

O POLITEÍSMO DE ISRAEL E JUDÁ

Judá pré exílico nunca abandonou a prática politeísta. Quanto ao Deus cultuado nesse período, é uma questão um tanto complexa. De modo geral, não havia culto a um único Deus. As escavações arqueológicas têm mostrado que, no cotidiano o povo de Israel, se prestava culto a vários deuses e deusas, com preferência aos deuses da fertilidade, como Baal e suas consortes Aserá e Astarte. Aliás, na raiz do nome Israel se encontra a forma El, o Deus supremo do panteão ugarítico (Sl 82) que tinha como maior atributo ser o Deus criador. 

O culto a El era muito forte em Canaã, tanto que Israel herdou o seu nome. Ou seja, no princípio o Deus de Israel era El e só mais tarde passou a ser Javé. Se Israel fosse javista desde o princípio, provalmente o seu nome teria como raiz o vocábulo JAH ou YAH, assim como muitos nomes em Israel: Isaias, Jeremias, Ezequias, etc. Mesmo quando Israel se tornou javista, o culto a El continuava vivo no interior do território israelita, assim como o culto a Baal, Aserá, Astarte, etc., tanto que aparece constantemente nos relatos bíblicos. Nossas Bíblias costumam traduzir El por “Deus”, por isso não nos damos conta do constante uso desse nome. No entanto, basta prestar atenção a todas as vezes que em nossas Bíblias aparece a palavra “Deus”; é quase certo que se trata de El; da mesma forma, quando aparece o nome “Senhor”, é seguro que se refira a Javé.

Enfim, o que se pode concluir é que Israel, por volta do século X a.C., Javé era um Deus entre outros. No entanto, é bem provável que por volta do início do século IX a.C., o culto a Javé já era predominante em Israel. Uma prova contundente, como se verá mais adiante, é o testemunho da estela de Mesa, também conhecida como estela moabita, que foi edificada pelo rei Mesa de Moab, por volta de 840 a.C. Nela Javé é mencionado como o Deus nacional de Israel, que impõe seu domínio sobre os moabitas. Porém, Javé não é cultuado como Deus único, teologia que será imposta somente mais tarde em Judá. Nesse período, Javé é cultuado junto com outros deuses, e isso não apenas em Israel, mas também em Judá. Temos alguns exemplos, como o templo de Javé no século VIII escavado em Arad, no sul de Judá, junto a Nahal Beersheba. Nesse templo, construído em continuidade com os lugares altos, com as eiras ou bamot, onde aconteciam os ritos de fertilidade, foram encontradas duas estelas (massebot). As estelas estavam fixadas no santo dos santos. A maior, que representava a divindade masculina (não se sabe se era Javé ou Baal), media 90 cm. A outra era um pouco menor e certamente representava uma divindade feminina (talvez Asherá). A maior era falida, tinha a parte superior arredondada e estava pintada de vermelho. À frente de cada estela havia um pequeno altar de insenso. O nicho de Arad com as estelas se encontra atualmente no museu de Jerusalém; portanto, uma prova contundente da forte presença, em tempos tardios, de cultos da fertilidade no interior de Judá e da influência que estes exerceram sobre o javismo.

Outro exemplo de culto primitivo a Javé foi encontrada no sítio arqueológico de Kuntillet ‘Ajrud, ao noroeste da península do Sinai, a 50 km de Cades Barnea, junto à rota que leva a Gaza. Ali foram escavados vários fragmentos de cerâmica com inscrições e desenhos que fazem referência a Samaria e que datam da primeira metade do século VIII – portanto, do reinado de Jeroboão II (788-747). Em um dos fragmentos encontrados está escrito em hebraico antigo uma benção que diz; “[..] a benção de Javé de Samaria e sua Aserá”. Javé está representado num desenho em forma de touro com a genitália em destaque. Ao lado está outro desenho representando Aserá. Portanto, além do culto a Javé ao lado de outros deuses, há nessa inscrição um testemunho da extensão do domínio de Israel, com sua capital Samaria, até o sul de Judá. Complementa essa informação um desenho, no muro da entrada da construção principal do sítio, que aparenta tratar-se de um rei sentado no trono real. Uma vez confirmado e reconfirmado que essas construções são da primeira metade do século VIII, pode-se concluir que se trata do reinado de Jeroboão II (788-747).

O mais impressionante dos achados de Kuntillet ‘Arjud, que ainda não foram totalmente decifrados, é que temos aqui uma forma primitiva do culto a Javé. Primeiramente, Javé é identificado com Samaria, ou seja, é possível que em Samaria houvesse uma forma própria de culto a Javé. Temos um caso semelhante em outra inscrição que identifica javé com Temã, assim como temos, em algumas passagens bíblicas, o Javé de Farã ou de Edon (Dt 33,2; Hb 3,3; Jz 5,4), numa provável referência ao Javé da região desértica, do sul de Judá e Edon. Os textos mencionados parecem se referir a Javé como um Deus em movimento, similar ao Sol, de leste a oeste.
Em segundo lugar, Javé é representado em forma de touro, forma que algumas vezes também é atribuída a Baal, caracterizando a força e a fertilidade, e que em algumas passagens “obscuras” aparece como uma forte condenação do culto praticado em Samaria.

Para maiores informações sobre o politeísmo em Israel leia neste blog: http://prwneves.blogspot.com.br/2015/05/do-politeismo-ao-monoteismo-saga-de-um.html, publicado em Maio/2015.

Pr Waldemar Neves – Pastor e Teólogo

Bibliografia:
KAEFER, José Ademar, A BÍBLIA, A ARQUEOLOGIA E A HISTORIA DE ISRAEL E JUDÁ, Paulus, 2015, p. 61-63.


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