Judá
pré exílico nunca abandonou a prática politeísta. Quanto ao Deus cultuado nesse
período, é uma questão um tanto complexa. De modo geral, não havia culto a um
único Deus. As escavações arqueológicas têm mostrado que, no cotidiano o povo
de Israel, se prestava culto a vários deuses e deusas, com preferência aos
deuses da fertilidade, como Baal e suas consortes Aserá e Astarte. Aliás, na
raiz do nome Israel se encontra a forma El, o Deus supremo do panteão ugarítico
(Sl 82) que tinha como maior atributo ser o Deus criador.
O culto a El era
muito forte em Canaã, tanto que Israel herdou o seu nome. Ou seja, no princípio
o Deus de Israel era El e só mais tarde passou a ser Javé. Se Israel fosse
javista desde o princípio, provalmente o seu nome teria como raiz o vocábulo
JAH ou YAH, assim como muitos nomes em Israel: Isaias, Jeremias, Ezequias, etc.
Mesmo quando Israel se tornou javista, o culto a El continuava vivo no interior
do território israelita, assim como o culto a Baal, Aserá, Astarte, etc., tanto
que aparece constantemente nos relatos bíblicos. Nossas Bíblias costumam
traduzir El por “Deus”, por isso não nos damos conta do constante uso desse
nome. No entanto, basta prestar atenção a todas as vezes que em nossas Bíblias
aparece a palavra “Deus”; é quase certo que se trata de El; da mesma forma,
quando aparece o nome “Senhor”, é seguro que se refira a Javé.
Enfim,
o que se pode concluir é que Israel, por volta do século X a.C., Javé era um
Deus entre outros. No entanto, é bem provável que por volta do início do século
IX a.C., o culto a Javé já era predominante em Israel. Uma prova contundente,
como se verá mais adiante, é o testemunho da estela de Mesa, também conhecida
como estela moabita, que foi edificada pelo rei Mesa de Moab, por volta de 840
a.C. Nela Javé é mencionado como o Deus nacional de Israel, que impõe seu
domínio sobre os moabitas. Porém, Javé não é cultuado como Deus único, teologia
que será imposta somente mais tarde em Judá. Nesse período, Javé é cultuado
junto com outros deuses, e isso não apenas em Israel, mas também em Judá. Temos
alguns exemplos, como o templo de Javé no século VIII escavado em Arad, no sul de
Judá, junto a Nahal Beersheba. Nesse templo, construído em continuidade com os
lugares altos, com as eiras ou bamot,
onde aconteciam os ritos de fertilidade, foram encontradas duas estelas (massebot). As estelas estavam fixadas no
santo dos santos. A maior, que representava a divindade masculina (não se sabe
se era Javé ou Baal), media 90 cm. A outra era um pouco menor e certamente
representava uma divindade feminina (talvez Asherá). A maior era falida, tinha
a parte superior arredondada e estava pintada de vermelho. À frente de cada
estela havia um pequeno altar de insenso. O nicho de Arad com as estelas se
encontra atualmente no museu de Jerusalém; portanto, uma prova contundente da
forte presença, em tempos tardios, de cultos da fertilidade no interior de Judá
e da influência que estes exerceram sobre o javismo.
Outro
exemplo de culto primitivo a Javé foi encontrada no sítio arqueológico de
Kuntillet ‘Ajrud, ao noroeste da península do Sinai, a 50 km de Cades Barnea,
junto à rota que leva a Gaza. Ali foram escavados vários fragmentos de cerâmica
com inscrições e desenhos que fazem referência a Samaria e que datam da
primeira metade do século VIII – portanto, do reinado de Jeroboão II (788-747).
Em um dos fragmentos encontrados está escrito em hebraico antigo uma benção que
diz; “[..] a benção de Javé de Samaria e sua Aserá”. Javé está representado num
desenho em forma de touro com a genitália em destaque. Ao lado está outro
desenho representando Aserá. Portanto, além do culto a Javé ao lado de outros deuses,
há nessa inscrição um testemunho da extensão do domínio de Israel, com sua
capital Samaria, até o sul de Judá. Complementa essa informação um desenho, no
muro da entrada da construção principal do sítio, que aparenta tratar-se de um
rei sentado no trono real. Uma vez confirmado e reconfirmado que essas
construções são da primeira metade do século VIII, pode-se concluir que se
trata do reinado de Jeroboão II (788-747).
O
mais impressionante dos achados de Kuntillet ‘Arjud, que ainda não foram
totalmente decifrados, é que temos aqui uma forma primitiva do culto a Javé.
Primeiramente, Javé é identificado com Samaria, ou seja, é possível que em
Samaria houvesse uma forma própria de culto a Javé. Temos um caso semelhante em
outra inscrição que identifica javé com Temã, assim como temos, em algumas
passagens bíblicas, o Javé de Farã ou de Edon (Dt 33,2; Hb 3,3; Jz 5,4), numa
provável referência ao Javé da região desértica, do sul de Judá e Edon. Os textos
mencionados parecem se referir a Javé como um Deus em movimento, similar ao
Sol, de leste a oeste.
Em
segundo lugar, Javé é representado em forma de touro, forma que algumas vezes
também é atribuída a Baal, caracterizando a força e a fertilidade, e que em
algumas passagens “obscuras” aparece como uma forte condenação do culto
praticado em Samaria.
Para
maiores informações sobre o politeísmo em Israel leia neste blog: http://prwneves.blogspot.com.br/2015/05/do-politeismo-ao-monoteismo-saga-de-um.html,
publicado em Maio/2015.
Pr
Waldemar Neves – Pastor e Teólogo
Bibliografia:
KAEFER,
José Ademar, A BÍBLIA, A ARQUEOLOGIA E A HISTORIA DE ISRAEL E JUDÁ, Paulus,
2015, p. 61-63.
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