– Sr. Bispo, precisamos de um novo
pastor!
– Há um pastor disponível. É muito
estudioso e dedicado.
– Ele toca violão?
– Não, parece que não.
– Que pena... nós precisamos de um
que saiba tocar violão...
Nos meus 21 anos
de ministério, do outro lado do laicato, tenho presenciado inúmeras reedições
do diálogo acima. Raramente, no processo de escolha do pastor, uma comunidade
se interessa pela qualidade da biblioteca deste, por sua firmeza doutrinária ou
suas raízes na tradição eclesiástica que abraçou.
Não obstante, se o
pastor candidato tem talentos musicais (ou pelo menos consegue conduzir
satisfatoriamente uma sessão de cânticos) terá maiores chances de encontrar emprego
e remuneração diferenciados.
Não há dúvida:
hoje, mais vale um violão na mão que uma biblioteca teológica de primeira mão.
A IGREJA DA IDADE
MÍDIA
Um modelo
modernoso de igreja alternativa, viável e rentável, é o do franchise da
fé.
Trata-se de modelo
facilmente identificável, haja vista a frequência com que aparece nos meios de
comunicação de massa, e a habilidade com que neles se move explorando o
agressivo marketing apelidado de gospel.
GOSPEL QUE EU
GOSTO
O termo gospel
utilizado pelas igrejas da idade da mídia não deve ser confundido, nem identificado,
com o estilo musical homônimo de origem afro-norte-americana do final do século
XIX. Este último nasceu como forma de resistência de uma cultura oprimida que
tentava sobreviver sob uma cultura racista, classista, cruel e intolerante.
O gospel tupiniquim
é a adesão a um anglicismo novelístico que gerou um subdialeto gospel-evangélico
bastante elástico que comporta muita coisa no campo musical, que vai do rap ao
rock passando pelo pop e com algumas incursões, menos frequentes, nos estilos
verde-amarelos do tipo baião, samba, sertanejo e assim por diante.
Gospel não é um ritmo ou
estilo musical. É uma marca como Coca-cola ou Bombril, com forte apelo
comercial.
O NIVELAMENTO POR
BAIXO PROMOVIDO PELOS LEIGOS
Com a lacuna
cultural da formação do brasileiro, em geral, e a lacuna teológica na catequese
do evangélico, em particular, a demanda por esse estilo eclesial e musical cresceu
muito.
A rigor, tais
músicas gospel carecem de valor artístico-estético, bíblico-teológico e litúrgico-pastoral.
Mas o exigente público não o é nesses itens. Sua exigência diz respeito não ao
sentido da fé, mas à utilidade da religião. Se ela me ajuda na experiência
catártica, se ele corresponde aos meus anseios por prosperidade, se ela aplaca
minha consciência transferindo minha culpa para um ser demoníaco, e se, ao falar
de um Deus vitorioso e guerreiro satisfaz meus desejos de vingança sublimados, então
essa é a minha religião ideal.
O NIVELAMENTO POR
BAIXO PROMOVIDO PELO CLERO
Os teólogos, por
seu turno, deveriam ir um pouco além e identificar na história do dogma e no
registro evangélico as muitas vezes frustrantes venturas e desventuras dos
seguidores daquele que, quando na terra, não tinha “onde reclinar a cabeça” (Lc
9.58).
Mas explicar o
amor aos inimigos, o chorar com os que choram, o sofrimento por causa de
Cristo, a cruz que cada discípulo tem de tomar para segui-lo e sua opção pelos pobres
e marginalizados, é realmente bem mais complicado.
É aí que muitos
“teólogos” resolvem trocar os compêndios da fé pelos dividendos da mídia. É
nessa hora que Barth, Bultmann, Tillich, Lutero, Calvino, Wesley (para não falar
em Agostinho, Tomás de Aquino, etc.) dão lugar a certos astros gospel de
maior ou menor grandeza.
Os “teólogos” gospel
que se fizeram bispos (sic!), profetas e até apóstolos (à revelia de qualquer
convenção eclesial e gramatical) se mostram todos ansiosos em atender aos fiéis
consumidores gospel com seus melhores produtos.
OS INTELECTUAIS
MAUS COMUNICADORES E OS BONS COMUNICADORES MAUS INTELECTUAIS
Sejamos justos.
Tecnicamente, eles são melhores comunicadores que os teólogos de verdade.
Embora tenham péssimo conteúdo, têm a embalagem certa para o gosto médio da
massa religiosa brasileira.
Por outro lado,
para que serve um conteúdo de primeira linha numa embalagem inaceitável? O
grande desafio aos teólogos de verdade é conseguirem oferecer seu excelente
conteúdo numa embalagem mais atrativa.
Se o público
compra tanta coisa ruim pela embalagem, seria possível usá-la (a embalagem)
para “vender” coisa boa? Se o “meio é a mensagem”, não temos muitas opções. A
ética não nos permitiria utilizar certas embalagens. Mas talvez haja uma faixa
de tolerância e seja possível achar um meio para a mensagem e uma mensagem para
o meio, que correspondam aos valores do Reino.
Se isso não for
possível, é melhor aproveitar a Rádio Gospel e anunciar: “Vende-se biblioteca
teológica de primeira mão (aceita-se violão como parte do pagamento).”
Créditos:
RAMOS, Luiz Carlos
- Publicado em Mosaico – Apoio Pastoral. São Bernardo do Campo:
Faculdade de Teologia da Igreja Metodista – Centro de Teologia e Filosofia da
UMESP, Ano V, no 4, Agosto /Setembro de 1997, p. 16.