sexta-feira, 26 de agosto de 2016

FOI, OU NÃO FOI, MOISÉS?

Passados quase dois milênios desde o cânon da Bíblia hebraica (Concílio de Jâmnia em 100 d.C.), conhecida como Tanakh para os judeus e como Antigo Testamento por nós, os cristãos, ainda persiste em nosso meio algumas dúvidas e tabús, e um deles é, quem realmente escreveu os primeiros livros do Antigo Testamento. Foi, ou não foi, Moisés?

Filkenstein e Silberman em seu livro a Bíblia desenterrada (p.14) diz que durante séculos, os leitores da Bíblia consideraram que as escrituras eram igualmente revelação divina e uma história exata transmitida por Deus para uma ampla variedade de sábios, profetas e sacerdotes israelitas. Autoridades religiosas constituídas, judaicas e cristãs, assumiram que os livros de Moisés haviam sido escritos pelo próprio Moisés antes de sua morte no monte Nebo, como narrado no livro do Deuteronômio. Os livros de Josué, dos Juízes e 1 e 2 Samuel eram, do mesmo modo, considerados registros sagrados pelo venerável profeta Samuel em Siló, e os livros de 1 e 2 Reis eram vistos como produto da pena o profeta Jeremias. Da mesma maneira, acreditava-se que o rei Davi era o autor de Salmos, e o rei Salomão, dos Provérbios e o livro de Cânticos dos Cânticos. Todavia, no despertar da era moderna, no século XVII, os eruditos que se dedicavam ao estudo literário e linguístico detalhado da Bíblia descobriram que não era assim tão simples; o poder da lógica e da razão, aplicado ao texto das sagradas escrituras, levantou questões muito problemáticas sobre a credibilidade histórica da Bíblia.

Com o passar do tempo e a quebra do paradigma do monopólio bíblico por parte da igreja, durante quinze séculos, vários estudiosos a partir do século XVII até o século XIX, intensificaram estudos críticos da Bíblia e começaram a se questionar sobre a autenticidade desses autógrafos e de várias incongruências dos textos bíblicos. A análise da evidência arqueológica atestou que não existe nenhum sinal de extensa alfabetização em Judá – e em particular em Jerusalém – até mais de dois séculos e meio mais tarde, no final do século VIII a.C. Como sabemos que a saga de Moisés dá-se no século XII a.C. e o reinado davídico e salomônico no século X a.C., ou seja, a escrita chega em Judá/Jerusalém quase 250 anos depois de Davi e 400 a 450 anos depois de Moisés.
Filkenstein comenta que “poderia Moisés realmente ter sido o autor dos cinco livros, já que o último deles, o Deuteronômio, descrevia em detalhes a hora precisa e as circunstancia de sua própria morte.” Logo, essa e outras incongruências começaram a ficar aparentes: o texto bíblico era repleto de apartes literários, explicando os antigos nomes de certos lugares e, frequentemente, observando que as evidências de célebres acontecimentos bíblicos ainda eram visíveis “até hoje”. Esses fatores convenceram alguns eruditos do século XVIII de que os primeiros cinco livros da Bíblia, pelo menos, haviam sido modelados, desenvolvidos e ornamentados por antigos editores anônimos e por revisores, através dos séculos.

No final do século XVIII, e mais ainda no século XIX, muitos estudiosos críticos da Bíblia passaram a duvidar de que Moisés tivesse escrito qualquer texto das escrituras; começaram a acreditar que a Bíblia era exclusivamente obra de escritores extemporâneos. Esses estudiosos observaram que o que pareciam ser as diferentes versões das mesmas histórias dentro dos livros do Pentateuco, sugerindo que o texto bíblico era produto de muitas mãos reconhecíveis. Uma leitura cuidadosa do Genesis, por exemplo, revelou duas versões conflitantes da criação (1, 1-2,3; 2,4-25), duas genealogias bem diferentes dos descendentes de Adão (4,17-26; 5, 1-28), e duas histórias emendadas e reagrupadas sobre o dilúvio (6,5; 9,17). Além disso, havia dúzias de duplicatas, ou mesmo triplicatas, dos mesmos eventos nas narrativas da peregrinação dos patriarcas, do êxodo do Egito e da entrega das tábuas da lei. (Filkenstein, p24)

Richard Elliod Friedman, observou no seu livro Who wrote the Bible (Quem escreveu a Bíblia) editado no século XIX, que as duplicações que ocorreram originalmente no Gênesis, Êxodo e nos Números não eram variações arbitrárias ou reprodução das mesmas histórias. Elas mantinham certas características identificáveis, de imediato, no que se refere à terminologia e ao foco geográfico.  

Desta maneira, um conjunto de histórias usou consistentemente o tetragrama – o nome de quatro letras YHVH (Yahweh) – no curso da sua narração, é o que aconteceu no território e na tribo do Judá.  O outro conjunto de histórias, dos territórios do norte do país – Efrain, Manasés e Benjamim principalmente – usou o nome de Elohim ou El para Deus.
Com o passar do tempo, os especialistas começaram a concluir que diversas fontes distintas, de características geográficas escreveram os primeiros cinco livros da Bíblia, tal como agora são conhecidos, eram o resultado de um complexo processo editorial, no qual os documentos das quatro fontes principais – J (javista), E (elohista), P (sacerdotal [priesty, em inglês]) e D (deuteronomista) -  foram compilados com habilidade e editados por escribas compiladores.

Todavia nas últimas décadas, com a leitura histórico-crítica e avanços notáveis na arqueologia das terras bíblicas, muitos insistem que os primeiros livros do Antigo Testamento (Gn, Ex, Nm, Lv, Dt, Js, Jz, 1 e 2 Sm e 1 e 2 Rs) são composições tardias, coletadas e editadas por sacerdotes e escribas durante o exílio na Babilônia e a restauração (nos séculos VI eV a.C.), ou mais tarde, durante o período helenístico (século IV e II a.C.). Ainda assim, todos concordam que o Pentateuco não é composição única e sem costuras, mas uma colcha de retalhos de fontes variadas, cada uma escrita sob diferente circunstância históricas, para expressar diferentes pontos de vista religioso e político.



Fonte:

FILKENSTEIN, Israel e SILBERMAN, Neil Ascher, The Bible Unearthed: Archaeology's New Vision of Ancient Israel and the Origin of Its Sacred Texts. Free Press, 2001.


FRIEDMAN, Richard Elliod, Who wrote the Bible. Summit Books, 1987.

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