A Experimentação Multissensorial no
Mundo do Profetismo Bíblico.
Por Waldemar Neves
Há poucos dias, comentei com um amigo sobre
o êxtase profético manifestado pelos profetas do Antigo Testamento, e ouvi dele
a frase “lá vem heresia”, falou me olhando com uma expressão de espanto. Esse tipo de reação é normal, pois pensamos
nos profetas do passado como super-homens e não como pessoas normais como eu e você.
Quando lemos os textos bíblicos que narram os momentos proféticos, focamos a nossa
atenção nas profecias e não nas manifestações sensoriais pela qual o profeta está
vivendo naquele instante.
Este estudo irá narrar e focar essas
manifestações sensoriais vivida pelo profeta no exato momento da revelação.
No centro de toda religião está a tomada
do homem pela divindade. A busca pelo Sagrado caminha com a humanidade desde os
seus primórdios. Esses encontros sempre foram encorajados em todas as religiões
em alguma fase da sua história, com diferentes ênfases. Experiências místicas
(de encontro do Sagrado com o profano), tipicamente concedidas com estado de
possessão conferem aos místicos a reivindicação única e espiritual com o
divino, explica Formicki.
O termo “êxtase” é polissêmico e também
uma experiência comum a muitas religiões. Representa a máxima expressão do contato
com a divindade. Pela etimologia “êxtase” vem do grego ek-stasis, que
sugere a ideia de “estar fora de si” ou “fora dos seus sentidos”. O dicionário
Aurélio define “êxtase” como “arrebatamento do espírito, enlevo, contemplação
do divino, sobrenatural, maravilhoso”. Outros o utilizam para designar
violentas agitações do corpo, dança, canto, inspiração, arrebatamentos
inefáveis, visões, alucinações. Embora prevaleça a indefinição do termo em suas
obras, muitos parecem compreender o êxtase como o meio pelo qual a comunicação
divino-humana opera. Encontramos esses fenômenos estáticos em várias fases do
contexto da religiosidade judaica no período pré-exílico e pós-exilico, através
de experiências proféticas. A profecia implica, de uma forma ou de outra, uma
relação entre a eternidade e o tempo, um diálogo entre Deus e o homem.
Na leitura do Antigo Testamento
verificamos algumas manifestações multissensoriais de fenômenos estáticos
apresentado na vida de alguns profetas e/ou videntes veterotestamentários, que
são usados como receptor humano por um ser sobrenatural, que irá desvendar uma
realidade transcendente e também temporal, tais como: futuro, destino, reinos
inimigos, resultados de guerras, consequência de guerra, aliança, etc.
Essas fontes antigas do judaísmo e do cristianismo relatam viagens astrais,
visões celestiais, visionários que sobreviveram a perigosas passagens por
portais celestiais, anjos de diferentes ordens, criaturas celestes e a
contemplação do mistério mais fascinante, o trono de Deus.
No
processo do êxtase profético, o profeta ao entrar em contato com o
transcendente poderá entrar em transe, gerando estados alterados de
consciência, segundo Wilson esse estado psico-fisiologico gera dissociação do
comum, com alterações em processos de concentração, memória e julgamento;
distorções de percepção de tempo, emoções; sensibilidade a sugestões. Tais
manifestações multissensoriais podem ocorrer desde manifestações do sentido:
visão, audição, tato, frio, medo, cheiro, paladar.
Segundo
as evidencias literárias bíblicas para o êxtase, são inúmeras as influências
corporais, muitas delas perceptíveis ao público devido a análise de
comportamentos estereotipados, que por sua vez resultam em reações de pânico e
surdez, mudez (Is 21.3); paralisação e queda (Ez 3.22-27); dores profundas (Jr
4.19); debilitado (Dn 10.8-11); descontrole do corpo pela possessão espiritual
(1Rs 22, Nm 11.6s).
Apresento uma análise
sinóptica da tríade profética Jeremias, Ezequiel e Isaias, onde identificaremos
quatro aspectos, a saber: a) Os órgãos do sentido ativados para recepção do
oráculo; b) O local e suas nuances descritas; c) Seres que participam da cena;
d) Forma de transmissão da(s) mensagem(s) solicitada(s) pela divindade.
Jr 1.4-19
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Ez 1.28-3.12
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Is 6.1-13
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Visão, audição e tato.
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Visão, audição, tato, paladar.
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Visão, audição, tato, paladar, olfato.
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Local desconhecido, medo, pequenez,
fraqueza.
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Céus, Merkavah, Babilônia, pânico,
debilidade, angustia, visão celestial.
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Céus, trono de Deus, Sanctus, Templo, medo,
pequenez, impureza, perdão, tremor.
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YHWH
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YHWH, 4 seres viventes com 4 faces e 4
asas.
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YHWH, serafins e querubins.
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Oral, imperativa “te enviarei, irás”,
“te mandar, falarás”; autoridade para “arrancares”, “destruíres”,
“derrubares”.
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Oral, imperativa “Eu vos envio”.
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Oral, questionamento “A quem
enviarei”, voluntariado “Eis me aqui”, imperativa “vai e dize”
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Nos exemplos acima, notamos que todos
têm consciência de terem sido chamados, apresentaram manifestações
multissensoriais dos sentidos, bem como expressaram exemplos suficientes da
excitação de consciência o que caracteriza um êxtase profético em face de
manifestação do altíssimo. Todavia, apesar da experiência intensiva que
envolveu cada um deles, notamos que as experiências não foram unio mystica. O
que torna a profecia extática e o êxtase profético polissêmico, tornando assim
impar e individual cada um dos chamados. André, explica que "uma
experiência intensiva que envolve totalmente o indivíduo, um estado psíquico
caracterizado pelo fato de que a pessoa está muito menos aberta a estímulos
externos do que em um estado normal”. Formicki, explica que “experiências
místicas (de encontro do Sagrado com o profano), tipicamente concedidas com
estado de possessão conferem aos místicos a reivindicação única de espiritual
com o divino”. E, Wilson que “no processo do êxtase profético, o profeta ao
entrar em contato com o transcendente poderá entrar em transe, gerando estados
alterados de consciência, esse estado psico-fisiológico gera dissociação do
comum, com alterações em processos de concentração, memória e julgamento;
distorções de percepção de tempo, emoções; sensibilidade a sugestões”. Tais
manifestações multissensoriais podem ocorrer desde manifestações do sentido:
visão, audição, tato, frio, medo, cheiro, paladar. Segundo esses especialistas
as manifestações são experiências místicas únicas, individuais e que podem ou
não entrar em transe.
Comparativamente notamos que há um
aumento de intensidade entre as experiências proféticas de cada um deles, mas
numa analise macro elas se completam. Seria presunçoso de minha parte citar
que, Deus se revela gradativamente em Sua glória. O que torna cada
comissionamento ímpar.
Nos textos bíblicos, os três são
chamados e comissionados para a função profética, todos os textos apresentam
alterações multissensoriais de sentidos. Todos apresentam psico-fisiologico,
como: medo, pequenez, angustia, tremor; sendo que Ezequiel demonstra também
amargura e debilidade e Isaias sente-se impuro e perdoado diante do Altíssimo.
Há unidade no chamado, é YHWH quem os comissiona de forma imperativa
“vai”. Nas nuances descritas, temos
variações entre os chamados, Jeremias tem uma mistura de visão e audição e
sente YHWH tocar na sua boca. Ezequiel vê os céus abertos e visões de Deus e do
trono (Merkavah), acompanhado na visão de 4 seres viventes com 4 faces e 4
asas, mas ele vê a YHWM de uma maneira vaga “vê uma nuvem flamejante saindo do
norte, e é cercada por brilho e no meio do fogo há algo como bronze reluzente”,
como se tivesse a forma humana. O que é suficiente para se debilitar e cair
sobre seu rosto. Isaias tem uma visão celestial, ele vê YHWH “assentado sobre
um alto e sublime trono, e a cauda do seu manto enchia o templo” sendo servido
por Serafins que recitavam o “Santo” e dois querubins alados.
Notamos no estudo acima, que apesar de
cada um dos profetas terem manifestações sensoriais e êxtase diferenciado,
impar e individual. Os textos bíblicos não apresentam variações que justifique
que o grau de revelação alterou ou diferenciou a vocação e a importância de
cada um deles como profetas no Antigo Testamento. Podemos concluir que Deus opera
do seu jeito na sua multi sabedoria, e este fato nos anima e nos vocaciona para
a sua obra.
Bibliografias
ANDRÉ,
G. “Ecstatic prophecy in the Old Testament”. In: Scripta Instituti Donneriani
Aboensis, [S.l.], v. 11, p. 187-200, 2014 [1982].
FORMICKI, Leandro. A Profecia e a Glossolalia como
fenômenos Extáticos, REFLEXUS – Ano IX, nr.14, 2015/2, p.368.
WILSON,
R. R.. Prophecy and Society in Ancient Israel. Philadelphia: Fortress,
1984 [e-book]