terça-feira, 18 de abril de 2017

A Experimentação Multissensorial no Mundo do Profetismo Bíblico.

A Experimentação Multissensorial no Mundo do Profetismo Bíblico.

Por Waldemar Neves

Há poucos dias, comentei com um amigo sobre o êxtase profético manifestado pelos profetas do Antigo Testamento, e ouvi dele a frase “lá vem heresia”, falou me olhando com uma expressão de espanto.  Esse tipo de reação é normal, pois pensamos nos profetas do passado como super-homens e não como pessoas normais como eu e você. Quando lemos os textos bíblicos que narram os momentos proféticos, focamos a nossa atenção nas profecias e não nas manifestações sensoriais pela qual o profeta está vivendo naquele instante.
Este estudo irá narrar e focar essas manifestações sensoriais vivida pelo profeta no exato momento da revelação.
No centro de toda religião está a tomada do homem pela divindade. A busca pelo Sagrado caminha com a humanidade desde os seus primórdios. Esses encontros sempre foram encorajados em todas as religiões em alguma fase da sua história, com diferentes ênfases. Experiências místicas (de encontro do Sagrado com o profano), tipicamente concedidas com estado de possessão conferem aos místicos a reivindicação única e espiritual com o divino, explica Formicki.
O termo “êxtase” é polissêmico e também uma experiência comum a muitas religiões. Representa a máxima expressão do contato com a divindade.  Pela etimologia “êxtase” vem do grego ek-stasis, que sugere a ideia de “estar fora de si” ou “fora dos seus sentidos”. O dicionário Aurélio define “êxtase” como “arrebatamento do espírito, enlevo, contemplação do divino, sobrenatural, maravilhoso”. Outros o utilizam para designar violentas agitações do corpo, dança, canto, inspiração, arrebatamentos inefáveis, visões, alucinações. Embora prevaleça a indefinição do termo em suas obras, muitos parecem compreender o êxtase como o meio pelo qual a comunicação divino-humana opera. Encontramos esses fenômenos estáticos em várias fases do contexto da religiosidade judaica no período pré-exílico e pós-exilico, através de experiências proféticas. A profecia implica, de uma forma ou de outra, uma relação entre a eternidade e o tempo, um diálogo entre Deus e o homem.
Na leitura do Antigo Testamento verificamos algumas manifestações multissensoriais de fenômenos estáticos apresentado na vida de alguns profetas e/ou videntes veterotestamentários, que são usados como receptor humano por um ser sobrenatural, que irá desvendar uma realidade transcendente e também temporal, tais como: futuro, destino, reinos inimigos, resultados de guerras, consequência de guerra, aliança, etc.
         Essas fontes antigas do judaísmo e do cristianismo relatam viagens astrais, visões celestiais, visionários que sobreviveram a perigosas passagens por portais celestiais, anjos de diferentes ordens, criaturas celestes e a contemplação do mistério mais fascinante, o trono de Deus.
            No processo do êxtase profético, o profeta ao entrar em contato com o transcendente poderá entrar em transe, gerando estados alterados de consciência, segundo Wilson esse estado psico-fisiologico gera dissociação do comum, com alterações em processos de concentração, memória e julgamento; distorções de percepção de tempo, emoções; sensibilidade a sugestões. Tais manifestações multissensoriais podem ocorrer desde manifestações do sentido: visão, audição, tato, frio, medo, cheiro, paladar.
            Segundo as evidencias literárias bíblicas para o êxtase, são inúmeras as influências corporais, muitas delas perceptíveis ao público devido a análise de comportamentos estereotipados, que por sua vez resultam em reações de pânico e surdez, mudez (Is 21.3); paralisação e queda (Ez 3.22-27); dores profundas (Jr 4.19); debilitado (Dn 10.8-11); descontrole do corpo pela possessão espiritual (1Rs 22, Nm 11.6s).
Apresento uma análise sinóptica da tríade profética Jeremias, Ezequiel e Isaias, onde identificaremos quatro aspectos, a saber: a) Os órgãos do sentido ativados para recepção do oráculo; b) O local e suas nuances descritas; c) Seres que participam da cena; d) Forma de transmissão da(s) mensagem(s) solicitada(s) pela divindade.
Jr 1.4-19
Ez 1.28-3.12
Is 6.1-13
Visão, audição e tato.
Visão, audição, tato, paladar.
Visão, audição, tato, paladar, olfato.
Local desconhecido, medo, pequenez, fraqueza.
Céus, Merkavah, Babilônia, pânico, debilidade, angustia, visão celestial.
Céus, trono de Deus, Sanctus, Templo, medo, pequenez, impureza, perdão, tremor.
YHWH
YHWH, 4 seres viventes com 4 faces e 4 asas.
YHWH, serafins e querubins.
Oral, imperativa “te enviarei, irás”, “te mandar, falarás”; autoridade para “arrancares”, “destruíres”, “derrubares”.
Oral, imperativa “Eu vos envio”.
Oral, questionamento “A quem enviarei”, voluntariado “Eis me aqui”, imperativa “vai e dize”

Nos exemplos acima, notamos que todos têm consciência de terem sido chamados, apresentaram manifestações multissensoriais dos sentidos, bem como expressaram exemplos suficientes da excitação de consciência o que caracteriza um êxtase profético em face de manifestação do altíssimo. Todavia, apesar da experiência intensiva que envolveu cada um deles, notamos que as experiências não foram unio mystica. O que torna a profecia extática e o êxtase profético polissêmico, tornando assim impar e individual cada um dos chamados. André, explica que "uma experiência intensiva que envolve totalmente o indivíduo, um estado psíquico caracterizado pelo fato de que a pessoa está muito menos aberta a estímulos externos do que em um estado normal”. Formicki, explica que “experiências místicas (de encontro do Sagrado com o profano), tipicamente concedidas com estado de possessão conferem aos místicos a reivindicação única de espiritual com o divino”. E, Wilson que “no processo do êxtase profético, o profeta ao entrar em contato com o transcendente poderá entrar em transe, gerando estados alterados de consciência, esse estado psico-fisiológico gera dissociação do comum, com alterações em processos de concentração, memória e julgamento; distorções de percepção de tempo, emoções; sensibilidade a sugestões”. Tais manifestações multissensoriais podem ocorrer desde manifestações do sentido: visão, audição, tato, frio, medo, cheiro, paladar. Segundo esses especialistas as manifestações são experiências místicas únicas, individuais e que podem ou não entrar em transe.
Comparativamente notamos que há um aumento de intensidade entre as experiências proféticas de cada um deles, mas numa analise macro elas se completam. Seria presunçoso de minha parte citar que, Deus se revela gradativamente em Sua glória. O que torna cada comissionamento ímpar.
Nos textos bíblicos, os três são chamados e comissionados para a função profética, todos os textos apresentam alterações multissensoriais de sentidos. Todos apresentam psico-fisiologico, como: medo, pequenez, angustia, tremor; sendo que Ezequiel demonstra também amargura e debilidade e Isaias sente-se impuro e perdoado diante do Altíssimo. Há unidade no chamado, é YHWH quem os comissiona de forma imperativa “vai”.  Nas nuances descritas, temos variações entre os chamados, Jeremias tem uma mistura de visão e audição e sente YHWH tocar na sua boca. Ezequiel vê os céus abertos e visões de Deus e do trono (Merkavah), acompanhado na visão de 4 seres viventes com 4 faces e 4 asas, mas ele vê a YHWM de uma maneira vaga “vê uma nuvem flamejante saindo do norte, e é cercada por brilho e no meio do fogo há algo como bronze reluzente”, como se tivesse a forma humana. O que é suficiente para se debilitar e cair sobre seu rosto. Isaias tem uma visão celestial, ele vê YHWH “assentado sobre um alto e sublime trono, e a cauda do seu manto enchia o templo” sendo servido por Serafins que recitavam o “Santo” e dois querubins alados.
Notamos no estudo acima, que apesar de cada um dos profetas terem manifestações sensoriais e êxtase diferenciado, impar e individual. Os textos bíblicos não apresentam variações que justifique que o grau de revelação alterou ou diferenciou a vocação e a importância de cada um deles como profetas no Antigo Testamento. Podemos concluir que Deus opera do seu jeito na sua multi sabedoria, e este fato nos anima e nos vocaciona para a sua obra.

Bibliografias
ANDRÉ, G. “Ecstatic prophecy in the Old Testament”. In: Scripta Instituti Donneriani Aboensis, [S.l.], v. 11, p. 187-200, 2014 [1982].
FORMICKI, Leandro. A Profecia e a Glossolalia como fenômenos Extáticos, REFLEXUS – Ano IX, nr.14, 2015/2, p.368.
WILSON, R. R.. Prophecy and Society in Ancient Israel. Philadelphia: Fortress, 1984 [e-book]