quinta-feira, 14 de julho de 2016

A proliferação dos espetáculos da fé na sociedade contemporânea


Segundo Freud, a sanidade do indivíduo está no confronto dosado entre o princípio do prazer e o princípio da realidade. Contudo em um mundo dominado pela ideologia do entretenimento, promove-se um comportamento patológico decorrente do hiperestímulo do elemento “prazer”, em contraste com a sublimação do referencial da realidade. Um estudo relevante sobre o entretenimento na sociedade moderna foi feito por Neal Gabler que, tomando a sociedade estadunidense como referência, procura entender por que o entretenimento se tornou o seu valor número “um”. Para esse autor,
“de fato, Karl Marx e Joseph Schumpeter parecem ter errado ambos.  Não se trata de nenhum “ismo”, mas talvez o entretenimento seja a força mais poderosa, insidiosa e inelutável de nosso tempo – uma força tão esmagadora que acabou produzindo uma metástase e virando a própria vida”. (GABLER, 2000, p. 17).

Desta maneira, entenda entretenimento como sendo “aquilo que diverte com distração ou recreação” ou “um espetáculo público ou mostra destinada a interessar ou divertir”, na constituição mesma da palavra está presente a ideia de “ter entre”. Isto é, os filmes (cinema), os musicais (shows), os romances e as histórias em quadrinhos (livros), as telenovelas (TV), os jogos eletrônicos, para citar alguns, atraem os indivíduos, “mantendo-os cativos” levando-os cada vez mais para dentro de si mesmos, de suas emoções e sentidos (novamente a ideia de espelho da realidade interior do indivíduo).
            Na sociedade contemporânea esse entretenimento ultrapassa a barreira do mundo secular e chega até as igrejas. A religião passa a ser articulada com o fenômeno comunicacional espetacular moderno. Influenciadas pela mídia, são reformuladas pelas regras próprias do espetáculo (show business) e da indústria do entretenimento. No campo religioso brasileiro especificamente dentro do neopentecostalismo, nota-se o “vale tudo da fé” o que apesar de contestado vem produzindo novas formas de religiosidade. Apesar de muitos entenderem que há um declínio do sagrado, incontestavelmente é impossível mensurar quantas vidas e lares estão recebendo talvez pela primeira vez a palavra de Deus. O que não significa que após o conhecimento tais membros permanecerão nessas igrejas, pois as mesmas não têm sustentação doutrinaria para crescimento da membresia.
O filme “Capital da Fé” de cunho social e político que versa sobre a Igreja Neopentecostal Brasileira, retrata o espetáculo da fé, proposto pelas lideranças e seus adeptos, a apropriação de trechos do evangelho ao bel prazer, cobrança desmedida de dízimos e ofertas, fazem parte da consolidação de um plano de negócios, que, vem crescendo exponencialmente no pais. Tanto é verdade, que os espaços televisivos são disputados com marqueteiros seculares. A essência do filme “Capital da Fé” vai mostrar a crítica ética e a relevância evangélica na sociedade atual. Inclusive a influência que essa mídia televisiva evangélica tem influenciado na política brasileira, pois tem indicado e eleito um considerável número de parlamentares, vide hoje a bancada evangélica no Congresso Nacional.
Algo que gostaria de registrar, e que não se encontra no texto, é o Censo Demográfico de 1980 a 2010, do IBGE, que aponta um crescimento exponencial das Igrejas Protestantes, especialmente os Evangélicos pentecostais e neopentecostais. O censo registra um crescimento dos protestantes (tradicionais, pentecostais e neopentecostais) de 7,8 milhões de pessoas em 1980 para 42,2 milhões em 2010. Sendo que a última década é a mais representativa. Claro que não há estudos a respeito, mas não seria muito difícil vincular grande parte desse crescimento à mídia televisiva dos cultos evangélicos.
Desta forma, as novidades tecnologias como TV, Rádio, Internet, Whatsapp, Facebook, Youtube, Skipe e outras formas diversas que virão, lançarão sempre um desafio à Igreja, que deverá estar preparada e aptada a aproveitar essas novas tecnologias para divulgar de maneira ortodoxa a palavra e o Reino de Deus. Cabe a nós segundo a ordenança do Senhor de Mt 28:18-19, ir, pregar, ensinar e doutrinar àqueles que não conhecem  a boa nova, e não maneira há mais cômoda e fácil que a mídia seja televisiva ou informatizada.  
Precisamos concordar que hoje o entretenimento e o show business invadiram o campo religioso, e transformaram em muitos casos o sagrado num exibicionismo marqueteiro desmedido. Além de que a pompa, a liturgia, o cerimonial, o hinário, foram adaptados a uma nova realidade cúltica, que busca agradar seus novos “clientes”. Todavia, precisamos entender que o mundo se globalizou, falamos ao vivo instantaneamente em qualquer parte do planeta, com altíssima qualidade de imagem e de som. Houve um tempo em que minha filha cursou uma universidade nos Estados Unidos, e a maneira que eu tinha de estar junto dela, diariamente, era o Skipe. A impressão é que ela estava no quarto ao lado do meu. As pessoas aos poucos foram se acostumando a esse conforto da globalização e da informação instantânea em vários segmentos da sociedade inclusive no religioso. A facilidade que a mídia televisiva proporcionou de ver um culto, ouvir uma pregação sem sair de casa, e com a opção de escolher o mensageiro da palavra, aumentou o transito religioso entre a membresia das igrejas, e quebrou o paradigma da pertença religiosa.  Porque essa facilidade de escolha também permite a opção e a comparação.
Entendo que o que está errado não é a tecnologia, nem os novos meios de comunicação, esses são benéficos à humanidade e vieram para ficar, e ainda podemos esperar que na próxima década nos surpreenderemos com mais novidades. Talvez seja o momento de refletirmos melhor sobre essa questão, buscando meios de um melhor aproveitamento dessa tecnologia a favor da palavra de Deus. O fato é que se esse espaço não for ocupado pela Igreja tradicional e conservadora, trazendo a ortodoxia da palavra de Deus, esse mesmo espaço será ocupado por oportunistas do evangelho, o que pode ser um erro irremediável.

Pr Waldemar Neves

Pastor e Bacharel em Teologia pela UMESP

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